segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A MISSA TERMINOU, A TUA PAZ TAMBÉM!

O fruto da eucaristia deveria ser a partilha dos bens. Celebrando uma missa, deveria parti-la ao meio, tornando-a em duas, em quatro… e assim por diante. Os nossos comportamentos, porém, são a inversão dessa lógica.
As nossas missas deveriam desmascarar os novos rostos da idolatria. As nossas missas deveriam nos colocar em crise todas as vezes que as celebramos. E para evitar as crises deveríamos reduzi-las ao mínimo possível, a não ser que tenhamos motivos mais sérios.
Elas deveriam desmascarar a nossa hipocrisia e a hipocrisia do mundo. Deveriam fomentar a audácia evangélica. Não deveriam servir aos opressores. Dietricht Bonhoeffer dizia que não pode cantar o canto gregoriano aquele que sabe que um irmão hebreu foi assassinado. Não se pode cantar o canto gregoriano quando se sabe que o mundo está deste jeito.
Tantas vezes também nós, dominados por uma fé flácida, anêmica, fazemos da eucaristia um momento de deleites prazerosos, morosos, de satisfações extenuantes que enfraquecem a força do clamor da eucaristia, impedindo-nos de ouvir o grito dos Lázaros que estão fora, à porta do nosso banquete. Se da eucaristia não brota uma força explosiva que muda o mundo, que faz nascer o inédito, então é uma eucaristia que não diz nada.
Se a eucaristia não libera uma força explosiva que muda o mundo, capaz de oferecer a nós crentes, a nós presbíteros que celebramos, a audácia do Espírito Santo, a vontade de descobrir o novo que ainda se encontra presente na realidade humana, é inútil celebrar a eucaristia.
E entre nós existe o novo, não percebido por muita gente. Bastaria nos lembrarmos dos que não vêm à missa, de todos aqueles que não conhecem Jesus Cristo. Esta é para nós a novidade: a praça. Aqui, na praça, deveríamos apresentar o Senhor, com muita coragem. A eucaristia deveria nos levar até lá onde o povo hoje sofre. Nós, sendo uma Igreja que ama, uma Igreja que se desespera no desejo de levar um pouquinho de esperança aos outros, não somos um sinal eficaz, um sinal claro. A missa deveria nos empurrar para fora. Ao invés de dizer “a missa terminou, ide em paz”, deveríamos dizer: “a paz terminou, ide à missa”. Porque quando você vai à missa, termina a sua paz.
As nossas eucaristias deveriam ser explosões que nos empurram para bem longe. Mas, ao contrário, o Senhor, depois de cinco minutos, ainda nos vê ali diante do altar.
Você padre, você bispo deve defender a liberdade do povo exatamente como se tocasse e tutelasse a hóstia consagrada.
Você deve ser luz. Acender o farol do Evangelho, da Palavra de Deus, do Magistério da Igreja. Seja luz, mas tome cuidado para que o olho do seu irmão possa ver. Você não deve querer ver por ele: “feche os olhos e deixe que eu vejo por você!”. Seja luz. Assim devemos nos comportar em todas as situações, também em nossas propostas morais. Você deve acender a luz. A consciência pessoal de cada um não pode ser delegada. É algo único que não pode ser manipulada por ninguém. Nenhum de nós pode impor as suas decisões à consciência dos outros .
A educação, inclusive aquela cristã, significa permanecer no limiar para vigiar e indicar, nunca para forçar . Eu acredito que se nós pastores nos diferenciássemos mais pela defesa da liberdade de consciência do povo do que pela imposição daquilo que consideramos ser realmente a estrada certa, a Igreja se tornaria, de fato, a Igreja do Espírito Santo.
Nós pastores devemos cuidar bem para que, nas nossas comunidades, o povo beba das fontes do Espírito. Quando a comunidade cresce à luz do Espírito e com a força da eucaristia podemos ficar tranqüilos porque as pessoas saberão o que escolher.
Um só corpo, um só Espírito. Mas como isso custa! O nosso compromisso sacerdotal, cristão, não pode ser outro, senão aquele do crucificado. A lei da cruz é a capacidade de assumir, interpretar e concluir também cada nosso ato de sofrimento. É a lei da Cruz. Como fez Jesus Cristo.
Na sua vida existia a lucidez, a clareza, a firmeza para colocar em prática um projeto-programa, diante do qual Ele nunca recuou, mesmo quando teve que enfrentar os poderes políticos, os poderes culturais, os poderes sacerdotais e a pressão dos amigos ou dos familiares .
Certas eucaristias se parecem com os livros ornamentais das casas, colocados à mostra em cima dos móveis. A sua força de plenitude não é liberada porque as comunidades não as colocam em prática.
Esta é a liturgia eucarística: o desejo de Deus de doar-se. Pois a Ele não bastam as palavras. Ele quer comunhão. Quanto pudor da nossa parte, impedindo-nos de mostrar para o povo como esta realidade é grande!
A eucaristia educa para o martírio, para o testemunho. A vida de Jesus Cristo não foi somente pré-existência. Ela foi também pró-existência. Ela não só existiu antes, mas existe para. Quem comunga deveria convidar para o banquete toda pessoa humana. E a Palavra é rica de propostas: reparta o pão com o faminto, acolha na sua casa quem não tem teto, vista os que estão nus… Enquanto não libertarmos dos porões toda essa força explosiva da Palavra de Deus, as nossas comunidades permanecerão prisioneiras daqueles soníferos feitos de gesticulações e ritos.
A comunidade eucarística, como Jesus, deve ser subversiva e crítica diante de todas as míopes realizações deste mundo. Você deve ser um espinho que incomoda quem vive na bem-aventurança das suas seguranças. Afligir os consolados significa ser voz crítica, consciência crítica, denunciando o que não está certo. Tantas vezes nós nos tornamos prisioneiros, acorrentados por um sistema. Nem sempre transmitimos a imagem de homens livres. Isso não é poesia! Nós, muitas vezes, nos deixamos dominar, tornando-nos os homens do sistema e não anunciadores das coisas futuras.
A eucaristia é um escândalo que precisa ser assumido até as últimas conseqüências. A paz do Senhor nos obriga a sermos subversivos. A Igreja deve assumir toda dor humana, toda fome de justiça, mesmo de uma só pessoa. A memória eucarística deve evidenciar o compromisso histórico da Igreja, corpo doado de Cristo, sangue derramado de Cristo.

Dom Antonino Bello

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