quarta-feira, 25 de maio de 2016

O que significa o fato que os leigos estejam a trabalhar na vida pública?

"Hoje muitas nossas cidades tornaram-se verdadeiros lugares de sobrevivência. Lugares nos quais parece que se instalou a cultura do descartável, que deixa pouco espaço à esperança. Nelas encontramos os nossos irmãos, imersos nestas lutas, com as suas famílias, que procuram não só sobreviver mas que, no meio de contradições e injustiças, buscam o Senhor e desejam dar-lhe testemunho. O que significa para nós, pastores, o facto de que os leigos trabalhem na vida pública? Significa procurar o modo para poder encorajar, acompanhar e estimular todas as tentativas e esforços que atualmente já se fazem para manter viva a esperança e a fé num mundo cheio de contradições, especialmente para os mais pobres, especialmente com os mais pobres. Significa, como pastores, comprometermo-nos no meio do nosso povo e, com o nosso povo, apoiar a fé e a sua esperança. Abrindo portas, trabalhando com ele, sonhando com ele, refletindo e, sobretudo, rezando com ele. «Precisamos de reconhecer a cidade» — e portanto todos os espaços onde se realiza a vida do nosso povo — «a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças... Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero» (Evangelii gaudium, 71). Não é o pastor que deve dizer ao leigo o que fazer e dizer, ele sabe tanto e melhor que nós. Não é o pastor que deve estabelecer o que os fiéis devem dizer nos diversos âmbitos. Como pastores, unidos ao nosso povo, faz-nos bem perguntarmo-nos como estamos a estimular e a promover a caridade e a fraternidade, o desejo do bem, da verdade e da justiça. Como podemos fazer para que a corrupção não se aninhe nos nossos corações.
Muitas vezes caímos na tentação de pensar que o leigo comprometido é aquele que trabalha nas obras da Igreja e/ou nas realidades da paróquia ou da diocese, e refletimos pouco sobre o modo como acompanhar um batizado na sua vida pública e quotidiana; sobre como, na sua atividade diária, com as responsabilidades que tem, se compromete como cristão na vida pública. Sem nos darmos conta disso, geramos uma elite laical acreditando que só são leigos comprometidos os que trabalham nas realidades «dos sacerdotes», e esquecemos, descuidando-o, o crente que muitas vezes queima a sua esperança na luta quotidiana para viver a fé. São estas as situações que o clericalismo não pode ver, porque está mais preocupado em dominar espaços do que em gerar processos. Portanto, devemos reconhecer que o leigo para a sua realidade, a sua identidade, por estar imerso no coração da vida social, pública e política, por ser partícipe de formas culturais que se geram constantemente, precisa de novas formas de organização e de celebração da fé. Os ritmos atuais são muito diversos (não digo melhores nem piores) dos que vivíamos há trinta anos! «Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas» (Evangelii gaudium, 73). É ilógico e até impossível, pensar que como pastores deveríamos ter um monopólio das soluções para os múltiplos desafios que a vida contemporânea nos apresenta. Pelo contrário, devemos estar do lado do nosso povo, acompanhando-o nas suas buscas e estimulando a imaginação capaz de responder à problemática atual. Discernindo com o nosso povo e nunca para o nosso povo nem sem o nosso povo. Como diria santo Inácio, «segundo as necessidades de lugares, tempos e pessoas». Isto é, não uniformizando. Não se podem dar diretrizes gerais para organizar o povo de Deus no âmbito da sua vida pública. A inculturação é um processo que nós pastores somos chamados a estimular, encorajando o povo a viver a própria fé onde está e com quem está. A inculturação é aprender a descobrir como uma determinada porção do povo de hoje, no aqui e agora da história, vive, celebra e anuncia a própria fé. Com uma identidade particular e com base nos problemas que deve enfrentar, assim como com todos os motivos que tem para se alegrar. A inculturação é um trabalho artesanal e não uma fábrica para a produção em série de processos que se dedicariam a «fabricar mundos ou espaços cristãos».

No nosso povo é-nos solicitado que conservemos duas memórias. A de Jesus Cristo e a dos nossos antepassados. Recebemos a fé, ela foi um dom que nos veio em muitos casos pelas mãos das nossas mães, das nossas avós. Elas foram a memória viva de Jesus Cristo dentro das nossas casas. Foi no silêncio da vida familiar que a maior parte de nós aprendeu a rezar, a amar, a viver a fé. Foi na vida familiar que depois assumiu a forma de paróquia, de escola e de comunidade, que a fé entrou na nossa vida e se fez carne. Foi esta fé simples que nos acompanhou muitas vezes nas diversas vicissitudes do caminho. Perder a memória significa erradicar-nos do lugar de onde viemos e por conseguinte, não saber nem para onde ir. Isto é fundamental, quando erradicamos um leigo da sua fé, daquela das suas origens; quando o erradicamos do Santo Povo fiel de Deus, erradicamo-lo da sua identidade batismal e assim privamo-lo da graça do Espírito Santo. O mesmo acontece conosco quando nos erradicamos como pastores do nosso povo, perdemo-nos. O nosso papel, a nossa alegria, a alegria do pastor, consiste precisamente em ajudar e estimular, como fizeram muitos antes de nós — mães, avós e sacerdotes — verdadeiros protagonistas da história. Não por uma nossa concessão de boa vontade mas por direito e estatuto próprio. Os leigos são parte do Santo Povo fiel de Deus e portanto os protagonistas da Igreja e do mundo; somos chamados a servi-los, não a servir-nos deles".
Papa Francisco - 19 de março 2016
Carta ao Cardeal Marc Armand Ouellet, P.S.S.
Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina

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