terça-feira, 14 de abril de 2015

52º Dia Mundial de Oração pelas Vocações - 2015

Tema: «O êxodo, experiência fundamental da vocação
 (26 de Abril de 2015 - IV Domingo de Páscoa)

Amados irmãos e irmãs!
O IV Domingo de Páscoa apresenta-nos o ícone do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas, chama-as, alimenta-as e condu-las. Há mais de 50 anos que, neste domingo, vivemos o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Este dia sempre nos lembra a importância de rezar para que o «dono da messe – como disse Jesus aos seus discípulos – mande trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2). Jesus dá esta ordem no contexto dum envio missionário: além dos doze apóstolos, Ele chamou mais setenta e dois discípulos, enviando-os em missão dois a dois (cf. Lc 10,1-16). Com efeito, se a Igreja «é, por sua natureza, missionária» (Conc. Ecum. Vat. II., Decr. Ad gentes, 2), a vocação cristã só pode nascer dentro duma experiência de missão. Assim, ouvir e seguir a voz de Cristo Bom Pastor, deixando-se atrair e conduzir por Ele e consagrando-Lhe a própria vida, significa permitir que o Espírito Santo nos introduza neste dinamismo missionário, suscitando em nós o desejo e a coragem jubilosa de oferecer a nossa vida e gastá-la pela causa do Reino de Deus.
A oferta da própria vida nesta atitude missionária só é possível se formos capazes de sair de nós mesmos. Por isso, neste 52º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, gostaria de reflectir precisamente sobre um «êxodo» muito particular que é a vocação ou, melhor, a nossa resposta à vocação que Deus nos dá. Quando ouvimos a palavra «êxodo», ao nosso pensamento acodem imediatamente os inícios da maravilhosa história de amor entre Deus e o povo dos seus filhos, uma história que passa através dos dias dramáticos da escravidão no Egipto, a vocação de Moisés, a libertação e o caminho para a Terra Prometida. O segundo livro da Bíblia – o Êxodo – que narra esta história constitui uma parábola de toda a história da salvação e também da dinâmica fundamental da fé cristã. Na verdade, passar da escravidão do homem velho à vida nova em Cristo é a obra redentora que se realiza em nós por meio da fé (Ef 4, 22-24). Esta passagem é um real e verdadeiro «êxodo», é o caminho da alma cristã e da Igreja inteira, a orientação decisiva da existência para o Pai.
Na raiz de cada vocação cristã, há este movimento fundamental da experiência de fé: crer significa deixar-se a si mesmo, sair da comodidade e rigidez do próprio eu para centrar a nossa vida em Jesus Cristo; abandonar como Abraão a própria terra pondo-se confiadamente a caminho, sabendo que Deus indicará a estrada para a nova terra. Esta «saída» não deve ser entendida como um desprezo da própria vida, do próprio sentir, da própria humanidade; pelo contrário, quem se põe a caminho no seguimento de Cristo encontra a vida em abundância, colocando tudo de si à disposição de Deus e do seu Reino. Como diz Jesus, «todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna» (Mt 19, 29). Tudo isto tem a sua raiz mais profunda no amor. De facto, a vocação cristã é, antes de mais nada, uma chamada de amor que atrai e reenvia para além de si mesmo, descentraliza a pessoa, provoca um «êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus» (Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est, 6).
A experiência do êxodo é paradigma da vida cristã, particularmente de quem abraça uma vocação de especial dedicação ao serviço do Evangelho. Consiste numa atitude sempre renovada de conversão e transformação, em permanecer sempre em caminho, em passar da morte à vida, como celebramos em toda a liturgia: é o dinamismo pascal. Fundamentalmente, desde a chamada de Abraão até à de Moisés, desde o caminho de Israel peregrino no deserto até à conversão pregada pelos profetas, até à viagem missionária de Jesus que culmina na sua morte e ressurreição, a vocação é sempre aquela acção de Deus que nos faz sair da nossa situação inicial, nos liberta de todas as formas de escravidão, nos arranca da rotina e da indiferença e nos projecta para a alegria da comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso, responder à chamada de Deus é deixar que Ele nos faça sair da nossa falsa estabilidade para nos pormos a caminho rumo a Jesus Cristo, meta primeira e última da nossa vida e da nossa felicidade.
Esta dinâmica do êxodo diz respeito não só à pessoa chamada, mas também à actividade missionária e evangelizadora da Igreja inteira. Esta é verdadeiramente fiel ao seu Mestre na medida em que é uma Igreja «em saída», não preocupada consigo mesma, com as suas próprias estruturas e conquistas, mas sim capaz de ir, de se mover, de encontrar os filhos de Deus na sua situação real e compadecer-se das suas feridas. Deus sai de Si mesmo numa dinâmica trinitária de amor, dá-Se conta da miséria do seu povo e intervém para o libertar (Ex 3, 7). A este modo de ser e de agir, é chamada também a Igreja: a Igreja que evangeliza sai ao encontro do homem, anuncia a palavra libertadora do Evangelho, cuida as feridas das almas e dos corpos com a graça de Deus, levanta os pobres e os necessitados.
Amados irmãos e irmãs, este êxodo libertador rumo a Cristo e aos irmãos constitui também o caminho para a plena compreensão do homem e para o crescimento humano e social na história. Ouvir e receber a chamada do Senhor não é uma questão privada e intimista que se possa confundir com a emoção do momento; é um compromisso concreto, real e total que abraça a nossa existência e a põe ao serviço da construção do Reino de Deus na terra. Por isso, a vocação cristã, radicada na contemplação do coração do Pai, impele simultaneamente para o compromisso solidário a favor da libertação dos irmãos, sobretudo dos mais pobres. O discípulo de Jesus tem o coração aberto ao seu horizonte sem fim, e a sua intimidade com o Senhor nunca é uma fuga da vida e do mundo, mas, pelo contrário, «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 23).
Esta dinâmica de êxodo rumo a Deus e ao homem enche a vida de alegria e significado. Gostaria de o dizer sobretudo aos mais jovens que, inclusive pela sua idade e a visão do futuro que se abre diante dos seus olhos, sabem ser disponíveis e generosos. Às vezes, as incógnitas e preocupações pelo futuro e a incerteza que afecta o dia-a-dia encerram o risco de paralisar estes seus impulsos, refrear os seus sonhos, a ponto de pensar que não vale a pena comprometer-se e que o Deus da fé cristã limita a sua liberdade. Ao invés, queridos jovens, não haja em vós o medo de sair de vós mesmos e de vos pôr a caminho! O Evangelho é a Palavra que liberta, transforma e torna mais bela a nossa vida. Como é bom deixar-se surpreender pela chamada de Deus, acolher a sua Palavra, pôr os passos da vossa vida nas pegadas de Jesus, na adoração do mistério divino e na generosa dedicação aos outros! A vossa vida tornar-se-á cada dia mais rica e feliz.
A Virgem Maria, modelo de toda a vocação, não teve medo de pronunciar o seu «fiat» à chamada do Senhor. Ela acompanha-nos e guia-nos. Com a generosa coragem da fé, Maria cantou a alegria de sair de Si mesma e confiar a Deus os seus planos de vida. A Ela nos dirigimos pedindo para estarmos plenamente disponíveis ao desígnio que Deus tem para cada um de nós; para crescer em nós o desejo de sair e caminhar, com solicitude, ao encontro dos outros (cf. Lc 1, 39). A Virgem Mãe nos proteja e interceda por todos nós.
Vaticano, 29 de Março – Domingo de Ramos – de 2015.
Franciscus PP.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Apaixonados por Jesus e pelo Reino

O seguimento de Jesus Cristo é uma aventura apaixonante. Quando ele nos encontra no caminho, provoca uma reviravolta em nossa existência. Seu olhar amoroso nos cativa e seduz. Seu jeito de ser e agir nos faz sair da apatia e nos impulsiona a ações concretas. Sua firmeza, ternura e paixão pela vida e por Deus tocam o nosso coração e nos fascinam.
O coração jovem é terreno fértil para o cultivo da paixão por Jesus Cristo e por sua causa. É certo, também, que, no desejo de firma uma relação de amor com Jesus, nem sempre o fazemos de forma saudável. Ou nos relacionamos com Jesus de forma distante e comercial, ou cultivamos uma relação meio desconectada com a vida.
Se aprendemos a ver Jesus como alguém que resolve nossas crises e lida com nossos problemas pessoais, estabelecemos uma relação comercial com ele, ou seja, de barganha. Por exemplo: "Jesus, se você me conceder isso, eu faço aquilo". Outras pessoas cultivam uma relação com Jesus muito "doce", desconectada da realidade, como se ele fosse um calmante para certos momentos. Certa vez, falando a um grupo de educadores, uma pessoa disse: "Depois que encontrei Jesus, eu não tive mais problemas". Em tom de brincadeira, eu respondi: "Engraçado, depois que eu encontrei Jesus, tive mais problemas!". Sim, porque seguir Jesus é um projeto ousado, que pode custar a vida. Quem escolhe segui-lo de coração sincero, vai encontrar perseguição, rejeição e muitos desafios. Quem o segue deve estar disposto a lutar pela causa dos empobrecidos, pela justiça e pela fraternidade. Certamente, estar com ele e de coração aberto provoca em nós muita alegria.
É muito comum em nossos dias a presença de grupos e movimentos que tentam fazer de Jesus uma figura pop. Então aparecem músicas, ritmos, movimentos e orações que buscam tornar Jesus tão popular que nos levam a perder algumas dimensões  de sua pessoa e de sua mensagem. É claro que Jesus é popular. Mas uma relação com ele, baseada apenas no sentimentalismo, pode empobrecer a experiência, desconectar-se da vida e não ter efeito duradouro. É como bolha de sabão.
Cultivar uma paixão por Jesus é estar em sintonia com seu coração. É gostar de sua pessoa e deixar-se atrair por seus ensinamentos. Consiste em mergulhar na contemplação do seu jeito especial de lidar com as pessoas e com o Pai. É ser capaz de experimentar o perdão e a misericórdia; é fazer de cada pessoa um santuário da vida e de Deus. É cultivar relações saídas; comprometer-se com a causa da justiça, da verdade e Ada paz. É praticar a solidariedade, sobretudo com os empobrecidos. É cuidar do planeta e da vida. É buscar andar na luz e preferir a luz em vez da escuridão. Apaixonar-se por Jesus é deixar que ele modele o coração, é desejar ficar com ele, a fim de ser formado por ele. Deixar, pouco a pouco, a vida e as atitudes serem pautadas pelo seu jeito de ser e agir.
Na prática, isso faz muita diferença. Jesus se torna para nós inspiração, guia e luz a orientar nossos passos e projeto. Não é uma solução fácil das nossas necessidades, mas um modelo de vida, um chamado incessante, um compromisso a assumir. Ele se faz realmente caminho, verdade e vida. Desta maneira, Jesus acaba se tornando a razão de ser de nossa existência.
Se você tem intenção de segui-lo mais de perto na sua comunidade, na família, na vida religiosa ou sacerdotal, lembre-se de que haverá muitos momentos de alegria e profundo contentamento. Jesus preenche o coração e dá sentido à vida. Mas é bom saber que também haverá momentos de dúvida, de incertezas e de luta interior. Isso tudo faz parte da caminhada.
Quem se apaixona por Jesus deve se apaixonar pelo Evangelho e se tornar portador da boa noticia num mundo que valoriza os acontecimentos trágicos e negativos. Nosso povo anseia p
or notícias boas: emprego, salário digno, saúde, educação para todos, pás benfazeja. Cultivar a paixão pelo evangelho é tomar a mensagem de Jesus como critério iluminador de nossas decisões e de nossa prática de vida. O Evangelho tornar-se luz, inspiração e critério de discernimento para os projetos humanos. A Boa-Nova de Jesus se transforma em alimento cotidiano que anima e dá coragem para lutar contra as injustiças que geram morte e para dar sentido às diferentes experiências da vida.
E a paixão pelo Reino de Deus? Quem se apaixona pelo Reino dá a vida por ele. O Reino é uma situação na qual todos podem desfrutar a vida em plenitude, mesmo em meio às lutas e aos sacrifícios do dia-a-dia. O Reino acontece misturado com as experiências cotidianas, de forma simples, escondida, mas transformadora. Não é algo que temos de esperar de braços cruzados. É uma construção da comunidade, dos grupos, da sociedade. Não é obra só nossa. Precisamos contar com a graça de Deus e a força de Jesus.
Em cada pequeno gesto de perdão, acolhida, partilha, sinceridade, fidelidade e transparência, experimentamos o Reino. Apesar disso, não se esgota nem termina aí. O Reino de Deus é dinâmico, pois, enquanto acontece, vai se construindo.
O Reino acontece perto de você, no seu coração, no seu bairro, na sua casa, no trabalho, na vida. Ser apaixonado pelo Reino é acreditar numa sociedade em que todos tenham direito aos recursos necessários para viver, e viver com dignidade.  O Reino é como o fermento (cf Mt 13,33); como o grão de mostarda (cf Mt 13,31-32); como a semeadura da semente (cf Mt 13,1-23); como o terreno com o joio e o trigo (cf Mt 13,24-30) 36-43); como o tesouro e a pérola (cf Mt 13,44-46); como a rede lançada ao mar (cf Mt 13,47-50).

Para conhecermos bem Jesus e sua proposta e desenvolvermos a paixão por ele, pelo Evangelho e pelo Reino, podemos nos servir de algumas fontes importantes, como a Palavra de Deus, os acontecimentos e as coisas do cotidiano, o mundo dos pobres e a oração.
Autor: Vanderlei Soela
Extraído do livro: Cativados pelo amor – Editora Paulus