A poucas horas do fim do Congresso, dom Geraldo concedeu uma entrevista exclusiva à
Assessoria de Imprensa da CNBB e falou do significado deste evento para a Igreja no Brasil. “As grandes instituições de Aparecida são retomadas neste Congresso que procura aplicar para o setor específico da Pastoral Vocacional e do Serviço de Animação Vocacional, as próprias Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil”, disse dom Geraldo.
1. Qual o significado para a Igreja no Brasil deste 3º Congresso Vocacional?
Este Congresso vem fortalecer a Pastoral Vocacional e o Serviço de Animação Vocacional da Igreja no Brasil, na perspectiva do Documento de Aparecida. O encontro com Jesus Cristo, que nos transforma em seus discípulos missionários, é a grande referência [da Conferência] de Aparecida e se tornou o pano de fundo do Congresso. Seu tema, “Discípulos missionários a serviço das vocações”, aponta para a dimensão missionária, retomando a palavra de Jesus no seu mandato: “Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19). Assim, as grandes instituições de Aparecida são retomadas neste Congresso que procura aplicar para o setor específico da Pastoral Vocacional e do Serviço de Animação Vocacional, as próprias Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil que, por sua vez, buscaram traduzir para o nosso contexto brasileiro o que vem da Conferência Latino-americana realizada em Aparecida.
2. Durante muito tempo, quando, na Igreja, se falava em vocação, pensava-se nos que são chamados para o ministério ordenado e para a vida religiosa. Ainda é assim ou o trabalho feito pela Igreja conseguiu ampliar este conceito incluindo também a vocação dos leigos?
Já avançamos muito nesta questão, mas poderíamos avançar ainda mais. Quando falamos em vocação, estamos falando de chamado: chamado de Deus à vida; chamados em Cristo à santidade e chamados também, no dom do Espírito, para o serviço na Igreja e no mundo. Todas as vocações se situam no interior da própria Igreja, seja para o Ministério Ordenado e para a Vida Consagrada nas suas diversas formas - como as congregações, ordens religiosas e os institutos seculares ou dos leigos consagrados, seja a vocação laical.
O papa João Paulo II, na sua exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici nos fala exatamente disso: o leigo cristão tem papel, vocação e missão na Igreja e no mundo. Quando falamos, portanto, de vocação, não podemos reduzir o tema simplesmente às vocações específicas para o Ministério Ordenado e a Vida Consagrada. Temos que incluir sempre a vocação laical. Aliás, no batismo está a raiz de todas as vocações e é por causa do batismo que se fala da dignidade fundamental de todos os membros do povo de Deus.
3. Se a vocação dos leigos vem do batismo, dando-lhes uma dignidade própria, significa que eles não devem ser visto como um colaborador ou um funcionário da Igreja. Como o senhor vê essa questão?
Creio que aqui nós temos que avançar muito, porque se pensarmos mais corretamente, não são os leigos os colaboradores dos ministros ordenados, é o inverso; somos nós, ministros ordenados, que estamos a serviço do laicato, do povo santo de Deus. Todos participamos, pelo batismo, do sacerdócio de Jesus Cristo, que costumamos dizer o ‘sacerdócio comum dos fiéis’. Para que este povo sacerdotal possa viver o seu sacerdócio é que alguns são chamados por Deus para este serviço do ministério ordenado. Podemos dizer, então, que o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum dos fiéis.
Esta reviravolta é feita pelo Concílio Vaticano II, especialmente quando trata, no documento sobre a Igreja,Lumen gentium, da realidade profunda do povo de Deus do qual todos nós fazemos parte, pastores e fiéis. Depois, na Presbyterorum Ordinis, é relembrado claramente que a diferença que existe não é de grau; não é que, com o ministério ordenado, alguém subiu um degrau em relação aos outros. Não há diferença de grau do sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial. Alguém que já participa do sacerdócio comum dos fiéis pela graça extraordinária do batismo recebe, pela ordenação sacerdotal, um novo título. Portanto, é um sacerdócio para, no meio do povo de Deus, fazer o papel, representar e agir, em nome de Cristo, como pastor e cabeça do rebanho.
4. Dom Geraldo, há cristãos que, por muitas razões, não atuam diretamente nas pastorais organizadas nas paróquias. No entanto, eles exercem sua vocação a partir da fé cristã que professam. São, por exemplo, profissionais liberais, militantes na política, dentre outros. Como podemos considerá-los integrantes da ação pastoral da Igreja, mesmo não fazendo parte de algum grupo específico?
O cristão tem um leque muito amplo diante de si no exercício de sua vocação. Falamos dos carismas distribuídos por Deus. Alguns têm um carisma mais forte para um serviço interno na vida da Igreja, outros receberão carismas mais fortes para atuar no mundo, nas estruturas da sociedade. Não podemos reduzir a dimensão vocacional unicamente a este ou aquele aspecto. Temos de compreender a vocação em ordem à variedade dos dons e carismas e a diversidade dos ministérios. Há dons e carismas dados por Deus que visam ao fortalecimento do corpo de Cristo, que é a Igreja, e há outros que são impulsionados pelo mesmo Espírito para ser do mundo, fermento na massa, para que as estruturas da sociedade se transformem de acordo com o projeto de Deus. [Deve] ser “Sal da terra e luz do mundo”, na expressão do próprio Jesus. Vejo sempre a vocação vinculada aos dons, carismas e ministérios na sua riqueza, variedade e multiplicidade.
5. O Brasil respira o clima de política e das eleições que se aproximam. Os documentos da Igreja afirmam que a atuação no vasto e complexo campo da política é uma vocação específica do leigo. Que análise o senhor faz da militância dos cristãos da política em nosso país?
Em nosso país avançamos nesta questão, mas poderemos avançar ainda no sentido de estimular a participação dos leigos na militância política e na própria militância político-partidária, na disputa aos cargos públicos, para que possamos ter cristão leigos e leigas comprometidos com a proposta de Jesus e fiéis ao evangelho; leigos e leigas atuando neste campo específico da ação política como construtores de um mundo de acordo com o plano de Deus que se revela em Jesus Cristo.
Isso nos leva a compreender que não temos o monopólio da história e não somos os únicos que preocupados com a construção de uma nova sociedade. Vivemos numa sociedade pluralista e não devemos alimentar nenhum sonho de restabelecimento da cristandade. O que devemos é, como dizem algumas formulações do objetivo geral da Ação evangelizadora da Igreja do Brasil, colaborar para a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária.
Nossa missão não é de construir sozinhos, mas de colaborar com outros que também desejam uma sociedade justa, igual, humana, solidária, trazendo aquilo que é especifico do cristianismo: os valores evangélicos, que são profundamente humanos. Precisamos avançar ainda mais nesta frente e não reduzir a participação do cristão leigo e leiga simplesmente nos espaços internos da Igreja, mas colaborar no seu processo de formação e apoiar os que estão nesta militância [política] para que estes espaços sejam ocupados por leigos e leigas cristãos.
A ação político-partidária, como lembra o papa [João Paulo II], é mais compatível com a vocação do cristão leigo e leiga do que do ministro ordenado, por razões óbvias. O ministério da palavra não pode ser comprometido por nenhuma posição político-partidária. O pastoreio e o ministério da unidade ficam muito sacrificados quando o ministro ordenado se ocupa do campo que deve ser ocupado, sobretudo, pelos leigos.
6. Qual seria a palavra da CNBB para os animadores vocacionais que estão espalhados nas diversas comunidades e, especialmente, para os participaram deste Congresso?
A palavra vem do próprio Jesus: “Não tenham medo. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Nos dias que correm é extremamente desafiador levar adiante esse trabalho vocacional, mas o campo está aberto porque estes jovens vivem hoje marcados profundamente pelos meios de comunicação, esta geração que vive na intimidade com a internet tem um coração que também aspira por coisas maiores; tem sede, sobretudo, de Deus. Precisamos descobrir como falar ao coração desta geração nova. Mas é bom lembrar que [os jovens] têm coração, sim. E, diante destes desafios, vamos em frente com coragem na certeza de que o Senhor estará conosco todos os dias até o fim dos tempos.
Fonte: CNBB - pastoral vocacional