Quantos grilhões! Estamos atados, sufocados, oprimidos. Transformamo-nos
pouco a pouco em esponjas que só necessitam absorver coisas. Isso nos adoece.
Na realidade, mais que gozar e desfrutar, o que procuramos é possuir. Aí
está o problema. Queremos ser donos das pessoas e das coisas que nos fazem
sentir seguros. Vivemos numa época de tremenda obsessão, de uma avidez
desesperada que constitui o funcionamento da sociedade de consumo. Porque, para
vender-nos coisas, ela precisa que nos tornemos dependentes. Já o conseguiu,
porque a publicidade está cada vez mais elaborada para que sejamos levados a
sair e comprar. Há uma tremenda necessidade de olhar produtos e de comprar
coisas: roupas, telefones, acessórios da internet, elementos de beleza, coisas
para a saúde, objetos para o lar etc. Uma pessoa que não tivesse de trabalhar
passaria todos o tempo fazendo compras, percorrendo shoppings e calçadões
comerciais, e nisso consistira toda a sua vida. Pobre boneco inteiramente
possuído e dominado pelos mecanismos de mercado! Desse modo, alguns tentam
dissimular e ocultar a depressão, angústias, vazios interiores. Por isso mesmo,
a preocupação com o dinheiro é cada vez maior. Nossa paz é avaliada pelo
dinheiro que temos para gastar, ou ao menos pelo dinheiro que poderemos
ter no futuro.
Mas também consumimos afetos e relações humanas. Precisamos de pessoas
que nos deem carinho, que nos escutem, que nos aprovem e dependem de nós. Assim
como possuímos objetos, pessoas para torná-las sua propriedade. Por isso,
quando conseguimos que alguém seja nosso, interiormente sentimos o medo de perdê-lo.
Estaremos sempre dependentes do que faça, procurando detectar se está se afastando
de nós, se deixou de precisar de nós ou se ainda depende de nós.
O DESCANSO INTERIOR
Convença-se. Se continuar buscando na posse das coisas e pessoas a
segurança que não lhe podem dar, você só se cansará e se preocupará cada vez
mais. É um caminho inútil, sem saída. Em contrapartida, na desnudes total,
pode-se descobrir que não há nada que temer, porque o mais necessário não lhe falta, possui-o em
seu interior: “Ó, pois, alma formosíssima
entre todas as criaturas, que tanto desejas saber o lugar onde está o teu
Amado, para buscá-lo e a ele te unires, já te foi dito que tu mesma és o
aposento em que ele vive e o esconderijo onde está escondido. É coisa de grande
contentamento e alegria para ti ver que todo o teu bem e esperança estão tão
perto de ti, que estão em ti, ou, melhor dizendo, que não há maneira de que
estejas sem ele... Deus nunca abandona a alma, ainda que ela se encontro em
pecado mortal... Mas não o vás buscar fora de ti, porque te distrairás e te
cansarás” (São João da Cruz, Cântico
Espiritual, I, 7-8).
Quando se enfrenta até o fundo sua solidão interior, descobre-se que aí
está o Senhor batendo à porta, com toda a força curativa de seu amor divino.
Recebendo esse amor, sentimo-nos dignos, sentimo-nos valorizados de fato,
sentimo-nos reconhecidos de modo gratuito. Dessa forma, deixamos de ser
mendigos exigentes e, nesse caso, poderemos dedicar-nos a dar amor aos outros
sem esperar que nos devolvam algo. Só assim saberemos por fim o que é o amor.
Jesus lhe fez promessas de amor, ofereceu-lhe força interior,
assegurou-lhe sua presença constante, abriu os braços para dar-lhe um abraço
infinito e apresenta-lhe seu coração ferido que é fonte de vida. Por isso,
proponho-lhe uma vez mais que se decida a crescer na amizade com Jesus e que
renuncie a exigir dos homens ou das coisas o que apenas nele poderá encontrar.
Produz uma mudança muito grande quando percebemos que já possuímos aquilo
que mais precisamos, o amor de Deus. Porque, nesse momento, começamos a
sentir-nos donos do mundo sem possuí-lo. Sentimos que tudo é um presente do
Amado, e isso preenche o coração, desde que não desejemos colher as coisas com
que Deus nos brinda e aferrar-nos a elas. As colinas, o céu, a luz, as cores, a
água, tudo é para mim, sem que eu precise torná-los posses minhas: “Para vier a possuir tudo, não queiras
possuir algo em nada” (São João da Cruz, Subida ao monte Carmelo, I 13,
11). Essa é a liberdade interior proposta pelos místicos. Trata-se da
libertação que produz quando se sente que se tem tudo porque se tem a Deus, e
que o resto não é absolutamente necessário, porque é possível adaptar-se a
tudo. Dessa maneira, o coração descansa, já não se fatiga nesse permanente
desespero em busca de possuir coisas ou pessoas como condição para poder ter
paz: “Não cobiçando nada, nada o
fatiga... e nada o oprime, porque está no centro de sua humildade” São João
da Cruz, Subida ao monte Carmelo, I 13, 13).
Victor Manuel Fernández – A força
transformadora da mística p. 23-26
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