O fruto da
eucaristia deveria ser a partilha dos bens. Celebrando uma
missa, deveria parti-la ao meio, tornando-a em duas, em quatro… e assim por
diante. Os nossos comportamentos, porém, são a inversão dessa lógica.
As nossas missas deveriam desmascarar
os novos rostos da idolatria. As nossas missas deveriam nos colocar em crise
todas as vezes que as celebramos. E para evitar as crises deveríamos reduzi-las
ao mínimo possível, a não ser que tenhamos motivos mais sérios.
Elas deveriam desmascarar a nossa
hipocrisia e a hipocrisia do mundo. Deveriam fomentar a audácia evangélica. Não
deveriam servir aos opressores. Dietricht
Bonhoeffer dizia que não pode cantar o canto gregoriano aquele que sabe que um irmão
hebreu foi assassinado. Não se pode cantar o canto
gregoriano quando se sabe que o mundo está deste jeito.
Tantas vezes também nós, dominados
por uma fé flácida, anêmica, fazemos da eucaristia um momento de deleites
prazerosos, morosos, de satisfações extenuantes que enfraquecem a força do
clamor da eucaristia, impedindo-nos de ouvir o grito dos Lázaros que estão
fora, à porta do nosso banquete. Se da eucaristia não brota uma força explosiva
que muda o mundo, que faz nascer o inédito, então é uma eucaristia que não diz
nada.
Se a eucaristia não libera uma força
explosiva que muda o mundo, capaz de oferecer a nós crentes, a nós presbíteros
que celebramos, a audácia do Espírito Santo, a vontade de descobrir o novo que
ainda se encontra presente na realidade humana, é inútil celebrar a eucaristia.
E entre nós existe o novo, não
percebido por muita gente. Bastaria nos lembrarmos dos que não vêm à missa, de
todos aqueles que não conhecem Jesus Cristo. Esta é para nós a novidade: a
praça. Aqui, na praça, deveríamos apresentar o Senhor, com muita coragem. A
eucaristia deveria nos levar até lá onde o povo hoje sofre. Nós, sendo uma
Igreja que ama, uma Igreja que se desespera no desejo de levar um pouquinho de
esperança aos outros, não somos um sinal eficaz, um sinal claro. A missa
deveria nos empurrar para fora. Ao invés de dizer “a missa terminou, ide em
paz”, deveríamos dizer: “a paz terminou, ide à missa”. Porque quando você vai à
missa, termina a sua paz.
As nossas eucaristias deveriam ser
explosões que nos empurram para bem longe. Mas, ao contrário, o Senhor, depois
de cinco minutos, ainda nos vê ali diante do altar.
Você padre, você bispo deve defender
a liberdade do povo exatamente como se tocasse e tutelasse a hóstia consagrada.
Você deve ser luz. Acender o farol do
Evangelho, da Palavra de Deus, do Magistério da Igreja. Seja luz, mas tome
cuidado para que o olho do seu irmão possa ver. Você não deve querer ver por
ele: “feche os olhos e deixe que eu vejo por você!”. Seja luz. Assim devemos
nos comportar em todas as situações, também em nossas propostas morais. Você
deve acender a luz. A consciência pessoal de cada um não pode ser delegada. É
algo único que não pode ser manipulada por ninguém. Nenhum de nós pode impor as
suas decisões à consciência dos outros .
A educação, inclusive aquela cristã,
significa permanecer no limiar para vigiar e indicar, nunca para forçar . Eu
acredito que se nós pastores nos diferenciássemos mais pela defesa da liberdade
de consciência do povo do que pela imposição daquilo que consideramos ser realmente
a estrada certa, a Igreja se tornaria, de fato, a Igreja do Espírito Santo.
Nós pastores devemos cuidar bem para
que, nas nossas comunidades, o povo beba das fontes do Espírito. Quando a
comunidade cresce à luz do Espírito e com a força da eucaristia podemos ficar
tranqüilos porque as pessoas saberão o que escolher.
Um só corpo, um só Espírito. Mas como
isso custa! O nosso compromisso sacerdotal, cristão, não pode ser outro, senão
aquele do crucificado. A lei da cruz é a capacidade de assumir, interpretar e
concluir também cada nosso ato de sofrimento. É a lei da Cruz. Como fez Jesus
Cristo.
Na sua vida existia a lucidez, a clareza, a
firmeza para colocar em prática um projeto-programa, diante do qual Ele nunca
recuou, mesmo quando teve que enfrentar os poderes políticos, os poderes
culturais, os poderes sacerdotais e a pressão dos amigos ou dos familiares .
Certas eucaristias se parecem com os
livros ornamentais das casas, colocados à mostra em cima dos móveis. A sua
força de plenitude não é liberada porque as comunidades não as colocam em
prática.
Esta é a liturgia eucarística: o
desejo de Deus de doar-se. Pois a Ele não bastam as palavras. Ele quer
comunhão. Quanto pudor da nossa parte, impedindo-nos de mostrar para o povo
como esta realidade é grande!
A eucaristia educa para o martírio,
para o testemunho. A vida de Jesus Cristo não foi somente pré-existência. Ela
foi também pró-existência. Ela não só existiu antes, mas existe para. Quem
comunga deveria convidar para o banquete toda pessoa humana. E a Palavra é rica
de propostas: reparta o pão com o faminto, acolha na sua casa quem não tem
teto, vista os que estão nus… Enquanto não libertarmos dos porões toda essa
força explosiva da Palavra de Deus, as nossas comunidades permanecerão
prisioneiras daqueles soníferos feitos de gesticulações e ritos.
A comunidade eucarística, como Jesus,
deve ser subversiva e crítica diante de todas as míopes realizações deste
mundo. Você deve ser um espinho que incomoda quem vive na bem-aventurança das
suas seguranças. Afligir os consolados significa ser voz crítica, consciência
crítica, denunciando o que não está certo. Tantas vezes nós nos tornamos
prisioneiros, acorrentados por um sistema. Nem sempre transmitimos a imagem de
homens livres. Isso não é poesia! Nós, muitas vezes, nos deixamos dominar,
tornando-nos os homens do sistema e não anunciadores das coisas futuras.
A eucaristia é um escândalo que
precisa ser assumido até as últimas conseqüências. A paz do Senhor nos obriga a
sermos subversivos. A Igreja deve assumir toda dor humana, toda fome de
justiça, mesmo de uma só pessoa. A memória eucarística deve evidenciar o
compromisso histórico da Igreja, corpo doado de Cristo, sangue derramado de
Cristo.
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