A fé deveria ser capaz de exorcizar todos os medos. Na vida
real e concreta, porém, as coisas não são bem assim. Fé e medo caminham lado a
lado, como dois companheiros inseparáveis da mesma travessia. Mais que isso, a
fé se apresenta como uma plantinha frágil e ambígua, capaz de nascer, crescer e
se fortalecer somente no terreno dos medos e das dúvidas, das perguntas e das
inquietações. Temor e tremor, angústias e contradições parecem formar-lhe um
solo fecundo e fértil. Também parece sentir-se à vontade em meio ao deserto, ao
silêncio e à solidão. Em lugar de sustentar-se em "verdades absolutas”,
quase sempre convive com incertezas e inseguranças, caso contrário não seria
fé.
De fato, a fé concentra o foco sobre aquilo que não se vê,
ou sobre aquilo que se espera com ansiedade, mas ainda nos escapa por entre os
dedos. Desejamos, mas não possuímos, ou melhor, desejamos porque não possuímos.
Desenvolve-se em solo escorregadio, movediço e suspeito de esconder armadilhas.
Por isso, segue vias lentas, tortuosas e labirínticas, pois em terreno minado
não se caminha depressa nem em linha reta. Numa palavra, a fé se apresenta como
filha legítima do próprio medo, sendo-lhe este, a um só tempo, causa e
estímulo.
E são inúmeros os medos que, aberta ou furtivamente, se
abrigam em nosso interior mais obscuro e incógnito. Como vulcões adormecidos,
explodem e nos cegam com suas larvas, cinza e fumaça. Sem controle nem
preaviso, sobem aos céus, escondem a luz do sol, envenenam o ar e nos dominam.
Sim, eles são muitos e não tem nome nem rosto, uma "legião”, alerta o
relato evangélico. Medo do amanhã e do futuro, por desconhecido e portando
incontrolável; pressentimento da derrota e do fracasso, os quais põem a nu a
frustração e a impotência; receio do escuro, com suas sombras e ruídos
indecifráveis; temor do vizinho, do diferente e do estrangeiro, pois, como
dizia o escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre "l’enfer, c’est les
autres” (o inferno, são os outros). Tudo isso nos faz respirar uma atmosfera
pesada e constrangedora.
Entretanto Jesus insiste: não tenham medo! "Estarei
com vocês até o fim dos tempos”; "retorno para o Pai, mas não vos deixarei
ófãos”; mesmo dormindo, Ele permanence na barca em meio à tempestade; "não
tenham medo dos que matam o corpo, mas não podem matar o espírito”; "sou
eu”, não um fantasma! Eis a palavra chave: medos são em geral fantasmos de uma
imaginação transtornada e doentia. Fantasmas agigantados pelas trevas da noite
ou da dor, pela fragilidade física e emocional em situações-limite de desespero
e pelas feridas não cicatrizadas na mente e na alma. Sombras do passado, do
sofrimento e da solidão que cobrem o céu do presente e do futuro, impendido-nos
de enxergar um palmo à frente do próprio nariz.
Permanece o enigma, sempre vivo e oculto atrás da porta ou
de cada curva da estrada: como eliminar o medo a partir da fé? Ou pelo menos
amenizar seu assédio inesperado, incômodo, inoportuno? "Quem tem fé nada
teme” – dizem alguns. Mas
numerosos exemplos do cotidiano demonstram o contrário. Ou será que a fé sequer alcança o
tamanho do "grão de mostarda”! Definitivamente, não há receitas nem
respostas. Apenas a busca e a esperança de, na falta de luz, aprender a
caminhar no escuro.
Autor: pe. Alfredo J. Gonçalves - Adital
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