Certa vez, fui dar uma palestra numa paróquia, no
início da Campanha da Fraternidade. O Doutor Alberto, senhor rico e bem
vestido, advogado famoso na cidade, levantou-se e com voz arrogante falou: “Eu
não gosto de Campanha da Fraternidade. Em vez de acentuar o jejum e a
penitência, a Igreja fica falando de problemas sociais. Eu quero é viver a quaresma, como antigamente”.
Eu entendo o que ele disse. Alguns assuntos
das Campanhas da Fraternidade são difíceis de serem traduzidas em atitudes de
conversão concretas e visíveis, no cotidiano das pessoas. Os grandes temas
sociais por vezes parecem tão complexos e difíceis de resolver, que a pregação
da Campanha da Fraternidade pode se reduzir a um tema geral, que não atinge a
vida de cada um.
O engano consiste em separar a penitência e a
conversão pessoal da mudança social. Na pregação dos profetas, estas
duas realidades sempre vão juntas. Na primeira sexta-feira da quaresma, lê-se
na liturgia o texto de Isaías 58. O profeta começa recorda a reclamação
daqueles que dizem invocar a Deus e não serem atendidos. "Por que
jejuamos, e tu não viste? Por que nos humilhamos totalmente, e nem tomaste
conhecimento?" Deus responde: “Acontece que, mesmo quando estão jejuando,
vocês só cuidam dos próprios interesses e continuam explorando quem trabalha
para vocês. O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões
injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e
despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em
sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se
fechar à sua própria gente” (Is 58,3.6-7).
A originalidade da Campanha da Fraternidade consiste
justamente em acreditar que a conversão individual se faz ao mesmo tempo com
mudanças culturais, sociais e políticas. Esta convicção já está presente
na pregação e na prática de Jesus. No sermão da planície, em Lucas 6,20-28, o
Mestre anuncia as “Bem Aventuranças”: felizes são os pobres, os famintos, os
que choram, os perseguidos por causa da justiça, pois o Reino de Deus está
chegando especialmente para eles. E dirige palavras duras para os gananciosos e
injustos. Quando Jesus come com os pecadores e pobres, acolhe
cada um deles, mas também anuncia com seu gesto que se inicia uma sociedade que
supera a exclusão social e religiosa.
O cântico de Maria, a mãe de Jesus, tradicionalmente
chamado de “Magnificat” (Lc 1,46-55), manifesta o mesmo espírito de conversão e
mudança das Bem-Aventuranças. Maria começa proclamando a grandeza de
Deus que fez nela grandes maravilhas. Mas não se detém somente na sua
experiência pessoal. Ela proclama que Deus vai operar grandes mudanças na sociedade,
como saciar de bens os famintos e derrubar os poderosos de seus tronos. Maria
compreende que a conversão individual e as mudanças estruturais fariam parte do
mesmo projeto salvador e libertador de Jesus.
Peçamos a Maria que nesta quaresma ela nos faça melhores, mais bondosos(as), desprendidos(as), livres para servir a Deus, com um coração renovado. E, ao mesmo tempo, que ela nos dê consciência crítica para nos inteirarmos de situações desumanizadoras que clamam por transformação. E a lucidez para empreender iniciativas comunitárias e sociais contra o tráfico de seres humanos, nas suas diversas formas. Assim, a quaresma nos preparará para celebrar, de maneira sempre nova, a vida, morte e ressurreição de Jesus. E neste caminho pascal, Maria vai conosco, abre nossa mente e nosso coração, aponta para Jesus e o seu Reino. Amém!
Peçamos a Maria que nesta quaresma ela nos faça melhores, mais bondosos(as), desprendidos(as), livres para servir a Deus, com um coração renovado. E, ao mesmo tempo, que ela nos dê consciência crítica para nos inteirarmos de situações desumanizadoras que clamam por transformação. E a lucidez para empreender iniciativas comunitárias e sociais contra o tráfico de seres humanos, nas suas diversas formas. Assim, a quaresma nos preparará para celebrar, de maneira sempre nova, a vida, morte e ressurreição de Jesus. E neste caminho pascal, Maria vai conosco, abre nossa mente e nosso coração, aponta para Jesus e o seu Reino. Amém!
Afonso Murad - Publicado na Revista de Aparecida – Março 2014.
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