Filha de um fazendeiro de Pelotas (RS), Maria Ribeiro da
Silva Tavares deixou o pai de cabelo em pé quando decidiu gastar toda a herança
de viúva para levar presos de alta periculosidade para viver em sua própria
casa, ao lado do filho pequeno.
Maria já trabalhava como voluntária
no Presídio Central de Porto Alegre quando perdeu o marido. Em 1941, aos 24
anos de idade, conseguiu convencer a direção do local a dar abrigo a 36 presos.
No primeiro dia fora do presídio, antes de iniciarem o
trabalho que ela conseguiu para todos em obras da prefeitura, Maria lhes
concedeu um privilégio: eles poderiam visitar a família, desde que voltassem à
tarde. Nenhum deles fugiu.
O Patronato Lima Drumond, que hoje
funciona em parceria com o Estado, foi fundado por Maria seis anos mais tarde,
com recursos próprios e a ajuda dos detentos.
Hoje, 75 anos depois, a assistente
social de 102 anos continua morando no local em que 63 homens cumprem pena do
regime semiaberto.
A maioria deles tem entre 35 e 45 anos e foram condenados
por tráfico de drogas e homicídio. A taxa de fuga é considerada baixa, em média
uma por mês, principalmente porque não há grades nem celas no local.
Doze anos atrás, Roberto Sotello
era um dos candidatos a viver no patronato. “A direção [da época] não me
aceitou. Diziam que eu era muito perigoso. Mas ela argumentou que a casa não
era para os santinhos”, lembra ele, que desde então atua como cuidador da
idosa.
No último “veraneio”, como os
gaúchos chamam as férias de verão, ele levou Maria para acampar com sua família
durante cinco dias na lagoa dos Patos (RS). Mesmo de cadeira de rodas, ela
tomou banho no rio.
Quando Sotello não está por perto,
os outros “anjos”, como ela chama os presos, tomam conta de Maria.
O zelo não é de hoje. Os presos a
protegem desde a época em que ela era a única autorizada por eles a entrar na
cadeia para mediar rebeliões.
Em uma ocasião, ela levou os
criminosos para trabalhar na fazenda de uma amiga, entre eles um condenado por
estrangular várias mulheres. Durante a noite, ao sair do quarto, encontrou
quatro presos dormindo em frente ao aposento para protegê-la. O episódio foi
relatado no “Jornal do Brasil”, em 1974.
Maria Tavares e seus "anjos" |
Atualmente, cerca de três detentos
aguardam vaga no patronato — estabelecimento que pode ser público ou privado e
prevê cumprimento de pena do regime semiaberto e aberto, além de atendimento
aos egressos do sistema penitenciário.
Uma das “receitas” para que a
ressocialização seja bem-sucedida é nunca exceder a capacidade de 76 vagas, diz
a diretora-executiva do patronato, Sirlei Hahn.
“A gente procura aceitar o preso
com histórico carcerário de trabalho, sem problemas disciplinares. Não
interessa o crime ou a pena, mas o histórico no sistema prisional. São
merecedores”, afirma Hahn.
Prestes a completar 103 anos, em
novembro, Maria está lúcida, mas ouve mal e se locomove principalmente em
cadeira de rodas.
“Ela se cobra da limitação física”,
conta Carlos Eduardo Aguirre, 57, filho adotivo de Maria. “Quando ela quer
sair, ela sai. Ela é atrevida”, completa Sotello, lembrando que Maria não
perdeu nem a vaidade com o passar dos anos. “Ela é nobre, gosta de estar bem
arrumadinha, de sapato”, afirma.
MÉTODO DE RECUPERAÇÃO
“Não existem criaturas
irrecuperáveis, mas métodos inadequados”. É assim que Maria iniciou seu
trabalho de conclusão de curso de Serviço Social pela PUC-RS. Publicado
originalmente em 1948, a pesquisa sobre o sistema carcerário foi republicada em
2013 pela Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul), em um seminário
em sua homenagem.
No trabalho, Maria descreve a
“metodologia” de tratamento dos presos, baseada em confiança, diálogo e
respeito. Maria aponta entre as principais “causas de delinquência” os “lares
desajustados” e recomenda como tratamento preventivo o “amparo à família,
reajustamento do lar e assistência à infância”.
Depois de gastar toda a herança nos
cuidados com os presos, Maria apelava para o filho. “Volta e meio ela pedia Cr$
100, Cr$ 200. Ela dizia: ‘Tenho que pagar a luz, o aluguel, ou vão cortar a
água do anjo’. Ela sabe que se o preso não tiver estrutura dentro de casa, ele
vai procurar o crime”, conta.
Dos 1.478 estabelecimentos penais
do país, apenas 16 são patronatos, segundo o Ministério da Justiça.
PAULA
SPERB – Folha Uol
Como estudante de direito, aprendendo as regras do sistema jurídico-penal brasileiro, vejo uma das ações sociais mais concretas e emblemáticas aptas a expressar a missão constitucional do direito penal e processual penal na tutela dos valores mais relevantes de uma sociedade democrática como a brasileira.
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