Muitas vezes caímos na tentação de
pensar que o leigo comprometido é aquele que trabalha nas obras da Igreja e/ou
nas realidades da paróquia ou da diocese, e refletimos pouco sobre o modo como
acompanhar um batizado na sua vida pública e quotidiana; sobre como, na sua
atividade diária, com as responsabilidades que tem, se compromete como cristão
na vida pública. Sem nos darmos conta disso, geramos uma elite laical
acreditando que só são leigos comprometidos os que trabalham nas realidades
«dos sacerdotes», e esquecemos, descuidando-o, o crente que muitas vezes queima
a sua esperança na luta quotidiana para viver a fé. São estas as situações que
o clericalismo não pode ver, porque está mais preocupado em dominar espaços do
que em gerar processos. Portanto, devemos reconhecer que o leigo para a sua
realidade, a sua identidade, por estar imerso no coração da vida social,
pública e política, por ser partícipe de formas culturais que se geram
constantemente, precisa de novas formas de organização e de celebração da fé.
Os ritmos atuais são muito diversos (não digo melhores nem piores) dos que
vivíamos há trinta anos! «Isto requer imaginar espaços de oração e de comunhão
com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as
populações urbanas» (Evangelii gaudium, 73). É ilógico e até impossível, pensar
que como pastores deveríamos ter um monopólio das soluções para os múltiplos
desafios que a vida contemporânea nos apresenta. Pelo contrário, devemos estar
do lado do nosso povo, acompanhando-o nas suas buscas e estimulando a
imaginação capaz de responder à problemática atual. Discernindo com o nosso
povo e nunca para o nosso povo nem sem o nosso povo. Como diria santo Inácio,
«segundo as necessidades de lugares, tempos e pessoas». Isto é, não
uniformizando. Não se podem dar diretrizes gerais para organizar o povo de Deus
no âmbito da sua vida pública. A inculturação é um processo que nós pastores
somos chamados a estimular, encorajando o povo a viver a própria fé onde está e
com quem está. A inculturação é aprender a descobrir como uma determinada
porção do povo de hoje, no aqui e agora da história, vive, celebra e anuncia a
própria fé. Com uma identidade particular e com base nos problemas que deve
enfrentar, assim como com todos os motivos que tem para se alegrar. A inculturação
é um trabalho artesanal e não uma fábrica para a produção em série de processos
que se dedicariam a «fabricar mundos ou espaços cristãos».
No nosso povo é-nos solicitado que
conservemos duas memórias. A de Jesus Cristo e a dos nossos antepassados.
Recebemos a fé, ela foi um dom que nos veio em muitos casos pelas mãos das
nossas mães, das nossas avós. Elas foram a memória viva de Jesus Cristo dentro
das nossas casas. Foi no silêncio da vida familiar que a maior parte de nós
aprendeu a rezar, a amar, a viver a fé. Foi na vida familiar que depois assumiu
a forma de paróquia, de escola e de comunidade, que a fé entrou na nossa vida e
se fez carne. Foi esta fé simples que nos acompanhou muitas vezes nas diversas
vicissitudes do caminho. Perder a memória significa erradicar-nos do lugar de
onde viemos e por conseguinte, não saber nem para onde ir. Isto é fundamental,
quando erradicamos um leigo da sua fé, daquela das suas origens; quando o
erradicamos do Santo Povo fiel de Deus, erradicamo-lo da sua identidade
batismal e assim privamo-lo da graça do Espírito Santo. O mesmo acontece conosco
quando nos erradicamos como pastores do nosso povo, perdemo-nos. O nosso papel,
a nossa alegria, a alegria do pastor, consiste precisamente em ajudar e
estimular, como fizeram muitos antes de nós — mães, avós e sacerdotes —
verdadeiros protagonistas da história. Não por uma nossa concessão de boa
vontade mas por direito e estatuto próprio. Os leigos são parte do Santo Povo
fiel de Deus e portanto os protagonistas da Igreja e do mundo; somos chamados a
servi-los, não a servir-nos deles".
Papa Francisco - 19 de março 2016
Carta ao Cardeal Marc Armand Ouellet, P.S.S.
Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina
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