A fé desvenda-nos o caminho e acompanha os nossos passos na história.
Por isso, se quisermos compreender o que é a fé, temos de explanar o seu
percurso, o caminho dos homens crentes, com os primeiros testemunhos já no
Antigo Testamento. Um posto singular ocupa Abraão, nosso pai na fé. Na sua
vida, acontece um fato impressionante: Deus dirige-lhe a Palavra, revela-Se
como um Deus que fala e o chama por nome. A fé está ligada à escuta. Abraão não
vê Deus, mas ouve a sua voz. Deste modo, a fé assume um caráter pessoal: o
Senhor não é o Deus de um lugar, nem mesmo o Deus vinculado a um tempo sagrado
específico, mas o Deus de uma pessoa, concretamente o Deus de Abraão, Isaac e
Jacob, capaz de entrar em contacto com o homem e estabelecer com ele uma
aliança. A fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente, a um Tu
que nos chama por nome.
Esta Palavra comunica a Abraão uma chamada e uma promessa. Contém, antes
de tudo, uma chamada a sair da própria terra, convite a abrir-se a uma vida
nova, início de um êxodo que o encaminha para um futuro inesperado. A
perspectiva, que a fé vai proporcionar a Abraão, estará sempre ligada com este
passo em frente que ele deve realizar: a fé « vê » na medida em que caminha, em
que entra no espaço aberto pela Palavra de Deus. Mas tal Palavra contém ainda
uma promessa: a tua descendência será numerosa, serás pai de um grande povo
(cf. Gn 13, 16; 15, 5; 22, 17). É verdade que a fé de Abraão, enquanto
resposta a uma Palavra que a precede, será sempre um ato de memória; contudo
esta memória não o fixa no passado, porque, sendo memória de uma promessa, se
torna capaz de abrir ao futuro, de iluminar os passos ao longo do caminho.
Assim se vê como a fé, enquanto memória do futuro, está intimamente ligada com
a esperança.
A Abraão pede-se para se confiar
a esta Palavra. A fé compreende que a palavra — uma realidade aparentemente efêmera
e passageira —, quando é pronunciada pelo Deus fiel, torna-se no que de mais
seguro e inabalável possa haver, possibilitando a continuidade do nosso caminho
no tempo. A fé acolhe esta Palavra como rocha segura, sobre a qual se pode
construir com alicerces firmes.
[...] Há ainda um aspecto da história de Abraão que é importante para se
compreender a sua fé. A Palavra de Deus, embora traga consigo novidade e
surpresa, não é de forma alguma alheia à experiência do Patriarca. Na voz que
se lhe dirige, Abraão reconhece um apelo profundo, desde sempre inscrito no
mais íntimo do seu ser. Deus associa a sua promessa com aquele «ponto» onde
desde sempre a existência do homem se mostra promissora, ou seja, a paternidade,
a geração duma nova vida: «Sara, tua mulher, dar-te-á um filho, a quem hás de
chamar Isaac» (Gn 17, 19). O mesmo Deus que pede a Abraão para se
confiar totalmente a Ele, revela-Se como a fonte donde provém toda a vida.
Desta forma, a fé une-se com a Paternidade de Deus, da qual brota a criação: o
Deus que chama Abraão é o Deus criador, aquele que «chama à existência o que
não existe » (Rm 4, 17), aquele que, «antes da fundação do mundo, (...)
nos predestinou para sermos adoptados como seus filhos» (Ef 1, 4-5). No
caso de Abraão, a fé em Deus ilumina as raízes mais profundas do seu ser:
permite-lhe reconhecer a fonte de bondade que está na origem de todas as
coisas, e confirmar que a sua vida não deriva do nada nem do acaso, mas de uma
chamada e um amor pessoais. O Deus misterioso que o chamou não é um Deus
estranho, mas a origem de tudo e que tudo sustenta. A grande prova da fé de
Abraão, o sacrifício do filho Isaac, manifestará até que ponto este amor originador
é capaz de garantir a vida mesmo para além da morte. A Palavra que foi capaz de
suscitar um filho no seu corpo «já sem vida (…), como sem vida estava o seio»
de Sara estéril (Rm 4, 19), também será capaz de garantir a promessa de
um futuro para além de qualquer ameaça ou perigo (cf. Heb 11, 19; Rm 4,
21).
Carta Enciclica Lumen Fidei,
n.8-11.
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